
Quando falamos em automação, a narrativa mais comum é simples: tarefas expostas à tecnologia levam à perda de empregos. Mas, como argumenta o economista David Autor, do MIT, essa visão é incompleta. O impacto real depende de como as tarefas mudam — e de como isso transforma o nível de especialização exigido.
Por que isso é importante?
Automação não é sinônimo de desemprego imediato. Em alguns casos, ela elimina barreiras e permite que mais pessoas realizem tarefas antes restritas a especialistas. Em outros, retira atividades rotineiras e deixa apenas as mais complexas, elevando a exigência de expertise. Entender essa dinâmica é essencial para antecipar quais funções serão valorizadas ou comoditizadas no futuro — especialmente em um cenário em que a inteligência artificial pode tanto ampliar quanto reduzir o peso da especialização.
O que está em jogo
A análise de Autor sobre descrições de trabalho entre 1977 e 2018 revela dois caminhos.
Profissões que perderam tarefas especializadas e ganharam atividades simples — como dirigir um táxi em tempos de GPS e aplicativos — viram queda nos salários, já que mais pessoas puderam executar o trabalho.
Já funções que eliminaram rotinas e incorporaram tarefas complexas — como revisores que deixaram de apenas corrigir ortografia e passaram a orientar a escrita — tiveram aumento de salários, embora com menos profissionais atuando.
O ponto-chave, segundo Autor, é a “fungibilidade da expertise”: um especialista pode realizar tarefas não especializadas quando deslocado, mas o contrário não acontece. Quando a exigência de especialização cai, a barreira de entrada se reduz. Quando aumenta, o acesso se restringe e o valor sobe.
A tendência histórica é clara: 64,5% das tarefas eliminadas nos últimos 40 anos eram rotineiras, enquanto 75,6% das novas exigiam criatividade, raciocínio ou habilidades interpessoais. O efeito, no entanto, varia. Em alguns casos, a automação libera tempo para o que realmente diferencia o profissional. Em outros, retira justamente o núcleo do trabalho, transformando-o em algo genérico.
Como responder a esse desafio
Para empresas e trabalhadores, a questão central não é se haverá automação, mas quais tarefas ela vai atingir.
Substituir rotinas por atividades de alto nível pode aumentar o valor da expertise — mas também criar mercados menores, restritos a poucos.
Simplificar tarefas especializadas abre oportunidades para mais pessoas, mas pressiona salários e reduz diferenciais competitivos.
Com a inteligência artificial, a incerteza cresce. Ferramentas como o ChatGPT permitem que não especialistas executem tarefas antes restritas a experts, como redigir documentos jurídicos ou elaborar análises complexas. Isso democratiza o acesso, mas pode deslocar profissionais que dependem exclusivamente do valor exclusivo dessas habilidades.
O que você precisa saber
Automação não impacta todas as profissões da mesma forma: pode reduzir ou aumentar o nível de especialização.
A perda de expertise combinada à adição de tarefas simples tende a reduzir salários e ampliar a concorrência.
O ganho de expertise com a eliminação de rotinas pode elevar salários, mas restringe o número de profissionais.
Entre 1977 e 2018, 64,5% das tarefas eliminadas eram rotineiras; 75,6% das novas exigiam habilidades abstratas.
A inteligência artificial pode democratizar o acesso a tarefas complexas, mas também reduzir o valor de determinados especialistas.
Mais do que medir “exposição” à automação, é preciso entender quais tarefas estão mudando.