
Depois de 2022, pesquisadores começaram a observar a influência do ChatGPT na linguagem humana, especialmente em como certas palavras passaram a aparecer em conversas do dia a dia. Termos como delve, realm e meticulous surgiram com mais frequência em vídeos, podcasts e apresentações. Foi o primeiro sinal de que talvez o modelo não estivesse apenas respondendo às pessoas, mas também moldando o modo como elas falam.
Um estudo recente indica que sim. Ao analisar centenas de milhares de horas de áudio, pesquisadores encontraram uma mudança mensurável no vocabulário falado depois do lançamento do ChatGPT. Ou seja, o efeito não ficou restrito a textos escritos. Ele atravessou a tela e chegou à fala espontânea.
Por que isso é importante
ChatGPT foi lançado no fim de 2022 e atingiu cerca de 100 milhões de usuários em apenas dois meses. Isso significa que um sistema de linguagem dessa escala não é apenas uma ferramenta de consulta. Ele se torna, gradualmente, uma referência de estilo para escrever e, cada vez mais, para falar.
O time liderado por Hiromu Yakura, no Max Planck Institute for Human Development, decidiu medir esse efeito. Primeiro, usou o próprio ChatGPT para revisar milhões de páginas de textos humanos, de e-mails a artigos acadêmicos, sempre com pedidos como “melhorar a clareza” ou “polir o texto”. Em seguida, identificou as palavras que o modelo inseria com frequência, como delve, comprehend e meticulous, classificando-as como “palavras GPT”.
Depois disso, veio a etapa central do estudo. A equipe analisou cerca de 740 mil horas de fala, incluindo 360.445 vídeos de apresentações acadêmicas no YouTube e 771.591 episódios de podcasts. A pergunta era direta: o uso das “palavras GPT” aumentou depois do lançamento do ChatGPT? E, além disso, esse aumento foi diferente do comportamento de sinônimos semelhantes que o modelo não usava tanto?
Os resultados apontam para um crescimento claro dessas palavras nos 18 meses seguintes ao lançamento do sistema, com aumentos anuais entre 25 por cento e 50 por cento para vários termos preferidos pelo modelo. A mudança não ficou restrita a roteiros formais. Aos poucos, as palavras começaram a aparecer também em falas mais espontâneas, especialmente em áreas ligadas a ciência, tecnologia, educação e negócios.
O que está em jogo
O estudo sugere que estamos entrando em um ciclo de retroalimentação cultural. Primeiro, treinamos modelos de linguagem com grandes coleções de textos humanos. Depois, esses modelos devolvem versões remixadas desses padrões, com um “sotaque estatístico” próprio. Com o tempo, ao interagir com eles diariamente, incorporamos esse sotaque nas nossas escolhas de palavras, muitas vezes sem perceber.
É verdade que imitar não é novidade. Pessoas sempre absorveram trejeitos de fala de figuras que consideram referência, como apresentadores e líderes políticos. No entanto, o que muda agora é a escala. Em vez de alguns poucos modelos culturais, milhões de pessoas consultam o mesmo sistema de linguagem, que responde de maneira consistente e com um estilo recorrente. Pesquisadores como Levin Brinkmann apontam que, quando começamos a tratar a IA como uma autoridade cultural, tendemos a copiar mais o vocabulário da máquina do que o das pessoas ao redor. Isso pode reduzir a diversidade linguística com o tempo.
Há também um ponto metodológico importante. O artigo da Scientific American destaca que observar apenas a distribuição de palavras é um bom começo para medir o impacto da IA na comunicação. No entanto, conforme os modelos se tornam mais sofisticados e menos previsíveis, será necessário acompanhar também estruturas de frase, formas de argumentação e padrões narrativos. A influência pode deixar de ser apenas lexical e passar a ser estrutural.
Como entender esse desafio
O estudo de Yakura e colegas ainda é um preprint no arXiv. Ou seja, não passou por revisão formal por pares. Mesmo assim, apresenta evidências difíceis de ignorar. Ele mostra que já é possível detectar, com dados de larga escala, uma mudança na fala humana associada às preferências de um modelo de linguagem específico.
Isso não significa que a IA esteja controlando o jeito como falamos. A interpretação é mais sutil. Ferramentas de linguagem amplamente usadas passam a compor o ambiente cultural em que aprendemos a falar e escrever. Assim como televisão, redes sociais e memes criaram novas expressões e aceleraram outras, modelos como o ChatGPT agora entram nesse circuito.
Para pesquisadores, educadores e formuladores de política, a mensagem central é de atenção qualificada. A questão não é se a IA vai influenciar a cultura, mas em que grau essa influência pode reduzir pluralidade de estilos, vocabulários e formas de expressão. Monitorar esses efeitos desde cedo ajuda a pensar em caminhos de uso mais responsável, preservando espaço para variação linguística em vez de comprimir tudo em um único padrão de texto “correto”.
O que você precisa saber
- ChatGPT chegou a cerca de 100 milhões de usuários em dois meses e influenciou o modo como milhões de pessoas lidam com texto no dia a dia.
- Pesquisadores mapearam “palavras GPT”, preferidas pelo modelo ao revisar textos humanos.
- Mais de 740 mil horas de vídeos e podcasts foram analisadas para medir o crescimento dessas palavras na fala após o lançamento do ChatGPT.
- O estudo encontrou um aumento consistente no uso desses termos em até 18 meses, inclusive em conversas espontâneas.
- Os autores sugerem que estamos entrando em um ciclo de feedback cultural, no qual humanos começam a imitar, na fala, padrões de linguagem aprendidos por modelos de IA.



